oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Monday, August 23, 2010

A OLIVEIRA ESTÁ A LER












"Quando o Padeiro Velho de Casdemundo teve a certeza de que Manolo Cabra lhe desfeitara a irmã, em dois segundos decidiu tudo. Nessa mesma noite matou-o de emboscada, arrastou o cadáver para o palheiro e foi acender o forno com umas vides que comprara para as empanadas da festa de San Bartolomé.

O irmão do meio encarregou-se de cortar a cabeça ao morto. O Padeiro Velho amanhou-o e depois chamuscou-o bem chamuscado. Às duas da manhã untou o Cabra de alto a baixo com o tempero, enfiando-lhe um espeto pelas nalgas. Às cinco estava assado.

"Caramba", disse o irmão do meio, que admirava todas as invenções do mais velho, "é à segoviana!"

"Mas não lhe pões o dente", cortou o outro.

Entretanto o mais novo, regressado já do Pereiro, aonde fora avisar o Padre Mestre, manifestou desejos de capar Manolo Cabra. O do meio olhou muito sério para o Padeiro Velho. Este cuspiu enojado e decretou:

"É tudo para os cães. E agora tragam-me lá a roupa do fiel defunto, que já não tem préstimo senão no inferno."

Se perguntassem ao Padeiro Velho o que mais queria naquele momento, teria respondido:

"Assar-lhe até a memória.""


Trabalhos e Paixões de Benito Prada, de Fernando Assis Pacheco
O VERÃO NO QUINTAL DA EURÍDICE

Entro no quintal e dou com o Artxerxes muito afoito no meio dos vasos



Plantou nespereiras. Aliás, não as plantou propriamente... Ajeitou os caroços de nêsperas que eu pusera no vaso, a ver se vingava alguma, mas ele diz que se não fosse ele, as desgraçadas nunca teriam sobrevivido. Falou com elas, ajeitou-lhes a terra, arrastou-as para o sol e para a sombra consoante a intensidade do sol e regou-as (como não consegue abrir a água, abanava a oliveira e a laranjeira de maneira a que os pingos retidos nas olhas destas caíssem para o vaso das nespereiras).

Organizou-se com a Clotilde e a Conceição para que os mosquitos não enguiçassem as pequenas e leu-lhes os últimos três livros das Histórias do Heródoto, para as inspirar a grandes feitos. Ou pelo menos a grandes nêsperas, no futuro.

A oliveira da eurídice deixou-lhe As Aventuras do João Sem Medo junto do prato da água e a Aurora está a fazer uma lista de coisas importantes que não pode esquecer-se de lhes ensinar quando elas crescerem.

- E como se chamam? - perguntei, entusiasmada.
- Ainda não têm nome. Enquanto não tiverem um tronco suficientemente forte para aguentar as enxurradas de água que nos mandas uma vez por semana, convencida de que não nos dói nada e de que uma rega por semana é suficiente, não arriscamos a dar-lhes nomes. Este quintal está para as árvores como a idade média para a mortandade infantil.