oliveira da eurídice

oliveira da eurídice

Wednesday, July 07, 2010

IMIGRAÇÃO

- Xiu, ela vem aí!

Hesitei antes de entrar no quintal. Sei que andam de segredos e a congeminar uma rebelião porque não só não as tenho regado todos os dias como há semanas que não há bolachas maria torradas. O Artaxerexes anda insatisfeito e a Violeta inquieta. A Dona Paciência não tem colaborado com as árvores na sua função de fornecedora de Camus e Sartres, por medo que elas os estraguem ("São edições muito caras, menina eurídice, elas não têm noção!") e a morte das duas baratas anciãs no espaço de uma semana às mãos de um misterioso assassino - estavam moribundas, caramba! No meu chão da cozinha... - exaltou ainda mais os ânimos.

Para rematar este quadro de desconfiança e mau-estar geral, o Manjerico Segundo morreu, enfim, após longa e heróica luta contra pratos de água inadequadamente fundos, assimétricos e sem água.

Entrei no quintal a rogar perdão enquanto pegava no regador e o enchia de água. Estranhei o silêncio generalizado mas continuei a desenrolar justificações e a afastar a horda de mosquitos que invadiu repentinamente o quintal.

- Tantos mosquitos! A Dona Violeta não tem estado cá?
- Tirou férias esta semana. Foi até ao 54 ver a prima, mas deve voltar hoje à noite - respondeu a Aurora.

E é então que vejo algo cair redondo no chão, de um vaso, e começar a subir a parede. Recuo, em pânico, perante uma das maiores osgas que vi em dias da minha vida.

- Desculpa, Clotilde! - gritou a Aurora
Olho para a Aurora, petrificada. A traição! E cai outra osga do vaso da minha oliveira.

- Corre, Conceição! - gritava a oliveira. Larguei o regador, que tombou sobre a nespereira-há-de-ser-se-deus-quiser-não-lhe-vou-dar-nome-enquanto-não-tiver-pelo-menos-dois-palmos-de-existência e corri para fora do quintal.

Oh ignomínia! Traída pela minha prole.

- Não sabias segurar a Conceição um bocadinho melhor?
- A Clotilde caiu primeiro e a Conceição assustou-se. Que querias que fizesse? Elas estão nervosas, é natural. Espero que ainda haja tempo - sussurou a oliveira.

Fiquei a vê-las tremer da janela da sala.

2 comments:

APS said...

Melhores mesmo que as meninas osgas, são mesmo os meninos camaleões de Monte Gordo.Sempre ao "ralenti", excepto de língua, excessivamente rápida a apanhar algum insecto que passe perto. E assim vai a Agricultura em Portugal...

oliveira da eurídice said...

@APS: monte gordo é outra coisa. Lá, as osgas são do tamanho de cabeças humanas e os mosquitos do tamanho de punhos. Não deixou saudades.

@scorpionica: elas nomes sempre tiveram. Eu é que não os sabia. E até já tenho nome para os piquenos, mas não vou dizer para não influenciar. Essas coisas é com os pais.